sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Piso salarial nacional dos professores – o que muda com a decisão do STF?

Um novo princípio foi reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Emenda Constitucional nº 53/2006: o piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública (art.206, VIII CF). Para ser efetivado, no entanto, esse princípio precisaria ser regulamentado por uma lei federal, conforme manda a própria Constituição, o que se realizou com a Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008.

Após ser sancionada, porém, a referida Lei teve sua constitucionalidade questionada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4167 (ADI 4167), promovida por governadores de cinco estados – Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os governadores questionaram na ADI alguns aspectos que delimitam a forma de implementação do piso: (i) a menção à jornada de 40 (quarenta) horas semanais; (ii) a forma de composição da jornada de trabalho, garantindo-se no mínimo 1/3 (um terço) da carga horária para a realização de atividades de planejamento e preparação pedagógica; (iii) a vinculação do piso salarial ao vencimento inicial das carreiras dos profissionais do magistério da educação básica pública; (iv) os prazos de implementação da lei; e (v) a própria vigência da Lei.
Como mencionamos no boletim anterior, alguns desses pontos são muito importantes para que se alcance a efetiva valorização dos trabalhadores.

O Supremo Tribunal Federal, ao decidir o pedido cautelar dos autores – julgamento provisório e antecipado em razão da alegada urgência - atendeu parcialmente os pedidos formulados. Essa decisão provisória valerá até o julgamento final da Ação, cuja data não está determinada.

Com a decisão do tribunal, o piso salarial passa a corresponder à remuneração mínima a ser paga aos profissionais do magistério, e não ao vencimento inicial mínimo, como estabelece o parágrafo 1°, do art. 2º da Lei nº. 11.738/2008. A conseqüência prática dessa interpretação é a possibilidade de serem consideradas na composição do valor do piso (de R$950,00 segundo o caput do art.2° da Lei) todas as complementações salariais que não compõem o vencimento-base da carreira docente. O que não pode ser inferior ao piso assegurado não é mais, como determina a Lei, o vencimento-base inicial da carreira, mas o que efetivamente se recebe, o total da remuneração do profissional, somando-se para isso vencimento-base, gratificações e vantagens.

Importante notar, porém, que conforme a decisão do STF, “o cálculo das obrigações relativas ao piso salarial se dará a partir de 1º de janeiro de 2009”. Além disso, manteve-se inalterada a previsão de que o valor inicial de R$950,00 (art.2°) deverá ser atualizado, em 2009 e nos anos subseqüentes, de acordo com o índice de correção do FUNDEB aplicado no início do ano (art. 5º caput e § único).

Também foi mantido o critério de implementação progressiva do piso, sendo que 2/3 da diferença entre a remuneração atual e o piso legal deve ser assegurado já em 2009, sendo que está determinado o pagamento do piso integral e corrigido a partir de 2010 (Lei nº 11.738/2008, art.3°, incisos II e III). É assim que funciona: digamos que aplicada a correção o piso para 2009 seja de R$ 1.000,00 e que o município X pague R$ 700,00 aos seus professores; para cumpri a lei o referido município deve elevar a remuneração para, no mínimo, R$ 900,00 (ou seja, R$ 700,00  + R$ 200,00). A partir de 2010 o piso deve ser pago de forma integral, no caso, R$ 1.000,00 acrescido da correção monetária do período. Assim, todos os profissionais do magistério público da educação básica já têm o direito de receber, desde o início de 2009, 2/3 da complementação salarial determinada em lei, com seus valores já corrigidos para 2009. Em caso de descumprimento por parte de municípios e estados, o Poder Judiciário deve ser acionado através de mandado de segurança, por se tratar de direito líquido e certo.

Na mesma decisão, o STF também acatou provisoriamente o pedido dos governadores em relação ao artigo 2º, parágrafo 4º, suspendendo sua aplicação. O dispositivo definia que no máximo 2/3 (dois terços) da carga horária total dos professores poderiam ser destinados às atividades de interação com os educandos, assegurando, portanto, que no mínimo 1/3 (um terço) da carga-horária seria destinada às atividades de preparação e planejamento pedagógicos, as chamadas horas-atividade.

A Lei nº 11.738/2008, porém, representa uma ampliação das horas-atividade já estabelecidas no Plano Nacional de Educação (PNE – Lei 10.172/2001), pois o item 10.3 do PNE dispõe que se deve “destinar entre 20 e 25% da carga horária dos professores para preparação de aulas, avaliações e reuniões pedagógicas”. Ou seja, a suspensão da ampliação prevista na Lei do Piso não deixa a questão sem regulamentação, devendo ser assegurado o previsto no PNE.

Diferentemente do que afirmam os autores da ADI, a questão das horas-atividade não é estranha à definição do piso. Sua garantia na lei significa assegurar que o poder público deve financiar explicitamente as atividades extra-classe dos professores, tendo, portanto, relação direta com a quantidade de professores contratados, com os recursos necessários ao cumprimento do piso e com a complementação de recursos federais.

Apesar da suspensão dos referidos aspectos da Lei do Piso, é importante destacar que esta continua significando um avanço frente ao quadro nacional de desigualdades, com predomínio da desvalorização dos profissionais da educação básica pública. Assim, é importante manter a mobilização política e o controle social pela efetiva implementação do piso, articulando-os ao acompanhamento jurídico e ao estudo de novas possibilidades no legislativo.

Precisamos insistir na necessidade de implementação integral da Lei, ampliando assim sua capacidade de transformar a realidade rumo a uma educação pública inclusiva, equitativa e de qualidade. Nesse sentido, outro ponto de fundamental importância é a forma e a proporção da participação da União no financiamento do piso, o que deverá ser definido em regulamentação específica do governo federal. Segundo a lei, esta tem o dever de complementar os orçamentos municipais e estaduais de forma a garantir o valor integral do piso (art. 4º.) em todas as hipóteses. No entanto, é preciso romper algumas amarras de ordem legal e orçamentária previstas na mesma regulamentação, sendo a principal delas a tentativa de limitar os recursos federais ao “teto” de 10% da complementação da União ao Fundeb. 

Veja aqui a Lei nº 11.738/2008.
Veja também a certidão do julgamento realizado no STF.